Como educar-se pra valer? Infelizmente, não existem truques mágicos que possam ser aplicados
indistintamente a todos para que aprendam mais ou melhor. Mesmo as melhores
ideias da pedagogia dificilmente resistem ao desinteresse de quem, em nenhum
nível, deseja aprender. O caminho da instrução se assemelha ao do semeador que
não sabe quais sementes vingarão uma vez jogadas ao solo. As variáveis no
processo de aprendizado são tantas que o dia a dia da sala de aula parece nunca
ter deixado de ser um espaço onde o que vale mesmo é a intuição no trato, a
confiança pessoal construída e a capacidade de ser respeitado sem apelar para
coerções de qualquer natureza.
Em relação à História como
disciplina, então, tudo fica ainda mais nebuloso. Muitos avançam sobre o ensino
fundamental e chegam ao Ensino Médio sem terem desenvolvido uma capacidade
imaginativa mínima. Quando se fala na chegada dos portugueses à América, por
exemplo, sequer conseguem imaginar como isso poderia ter ocorrido. Imagens
simples de um processo narrativo, como o cenário de uma guerra ou a construção
de uma cidade, passam despercebidas sem que o som das palavras evoque qualquer
estalo na imaginação. E a noção de tempo? Mistério impressionante. Perceber que
eventos se encadeiam em uma linha com durações definidas de antes e depois;
tarefa abstrata simples, muitas das vezes exige do docente um esforço hercúleo
que vai para muito além da contextualização pessoal. Se durante o meu próprio
processo de escolarização essas barreiras pareciam de transposição natural,
tendo em vista a natureza das minhas próprias inclinações intelectuais, hoje vejo
como a maioria sofre para abstrair qualquer coisa que não tenha o som do tiro
de games, estampidos musicais no YouTube ou imagens coloridas e
desconexas da última propaganda de refrigerantes. A velocidade com que os
estímulos visuais se aprimoram caminha no sentido inverso com que a imaginação
pessoal se desenvolve pelas estórias, contos, fábulas ou mitos. Curiosamente,
não faltam à cultura de massa atual filmes, novelas e narrativas cobertos por
muita tecnologia gráfica. Tantas histórias são narradas ao mesmo tempo, de modo
que as novas gerações deveriam ter mais facilidade em entender a história como
disciplina. Não é isso, infelizmente, o que ocorre. Por quê?
Vivemos em uma época de muito
som e fúria.[1]
Em todos os sentidos. Frente ao acorde estridente dos sons que tocam
incessantemente tantas músicas, só conseguem ser ouvidos aqueles que apelam
para os extremos. As redes sociais demonstram exatamente isso. Defender a
radicalização após aderir a uma posição determinada – ainda que irrefletida –
parece ser a estratégia para se fazer ouvir em meio à pletora barulhenta. Não
há debate político, mas combate ao inimigo. Não há apreciação musical, mas
defesa incondicional do ídolo. Não há convivência pacífica, mas ódio reprimido.
Não há opinião pessoal, mas adesão integral a um programa de política pública.
Nada parece fazer muito sentido fora da realização imediata dos desejos de
consumo ou do prazer sensual. A moderação encontra-se, definitivamente, fora de
moda.
Curioso cenário se avizinha. Ao
mesmo tempo em que o acesso à informação se expande e as possibilidades de
avanço do saber se tornam acessíveis a um público cada vez maior, a filtragem
do que se aprende mostra-se canhestra. Diferenças entre um fato concreto e a
opinião pessoal parecem despercebidas a uma ampla maioria, a despeito do nível
de escolarização que porventura se tenha alcançado. O debate público parece ter
caído em alguma esparrela no qual se valoriza mais a ênfase militante do que
propriamente qualquer comprovação racional. A falta de parâmetros transformou o
contra-argumento em mero ponto de vista. Às vezes, um ponto de vista que não
vai além de um pretenso discurso de classe.
O crescimento exponencial da
informação não representou aumento real do conhecimento por parte da média dos
alunos da rede pública, muito embora saibamos que atualmente os interesses se
dispersam com maior fluidez do que víamos há quinze ou vinte anos atrás. As
referências são bem mais fragmentadas, ainda que bem mais numerosas do que se
observava no passado. Hoje, o aluno médio tem mais informações sobre o mundo da
cultura em geral, apesar da menor consistência do saber adquirido.
Esse contraste é
perceptível entre a geração que cursou o Ensino Fundamental na década de 1990
em comparação com aquela que agora se encontra nos bancos escolares. Na década
de 1990, os alunos tinham menor acúmulo de informações, mas geralmente
articulavam melhor os saberes à realidade prática. A cabeça dos alunos era mais
organizada, por assim dizer. Hoje em dia, todos os conhecimentos estão disponíveis
na internet, mas isso não significa concluir que os alunos saibam mais. Pelo
contrário. As referências atuais se misturam em um caleidoscópio de temas,
opiniões e dados que não parecem guardar qualquer harmonia entre si. Os alunos
falam e escrevem mal. São inarticulados na hora de expor ideias simples. O
vocabulário médio diminuiu consideravelmente, restringindo assim as
possibilidades de argumentos com começo, meio e fim.
Não são pequenos
os desafios que professores, pais e educadores têm pela frente.
[1] A referência aqui, obviamente, é a
William Shakespeare. Na parte final da peça, Macbeth, o personagem principal,
teoriza que a realidade não pode ser apreendida por qualquer lógica racional. O
mundo não teria qualquer enredo ou sentido, sendo dirigido apenas pela
aleatoriedade completa. Não haveria noções de bem ou mal, ordem, finalidade,
causa e consequência. Apenas o acaso desconhecido guiaria a vida dos homens em
todos os tempos. Ver SHAKESPEARE, William. Macbeth.
São Paulo: Abril Cultural, 1981.
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