Em
seu principal livro, publicado pela primeira vez em 1940, Mortimer Adler
explica “Como ler livros” expositivos
da área de História, Filosofia e Ciências. Adler explica que existem quatro
níveis de leitura superpostos, ou seja, à medida que se avança nos níveis
encontramos subentendidas as partes anteriores. O primeiro nível de leitura
chama-se elementar, referindo-se
basicamente à alfabetização funcional. Preferencial nos primeiros ciclos da
educação básica, o nível elementar seria ensinado aos alunos para que
conseguissem juntar sílabas, decodificar as frases e encontrar informações.
Quando a criança consegue ler sozinha, sem auxílios de qualquer natureza, já
está preparada para aprender mais sobre a leitura.
O
segundo nível seria o inspecional, de
presto dividido em dois momentos. A primeira fase da leitura inspecional
chama-se pré-leitura ou “sondagem sistemática”, que acontece quando o leitor
examina o livro (ou texto) em seu sumário para saber os temas tratados, avalia
rapidamente o prefácio ou folheia o livro intuindo quais os capítulos
principais. Já o segundo momento da leitura inspecional
propõe uma leitura rápida do livro ou do texto. Adler recomenda que se leia o
texto até o final, não se detendo – nesse momento – sobre as partes difíceis. A
releitura sempre se revela com maior proveito, em que o leitor, aos poucos, vai
encontrando seu ritmo e velocidade de leitura.
O
terceiro nível de leitura é o mais importante para a compreensão de um texto,
intitulado como leitura analítica.
Exigente por natureza, a leitura analítica não pode ser passiva, pois conclama
o leitor a trabalhar ativamente pela compreensão, seja através da escrita de
resumos, perguntas ou grifos. É preciso “conversar” com o autor a todo o
momento, refletindo sobre o significado do que foi escrito. Em uma entrevista
do “Como pensar sobre as grandes ideias”,
Adler rebatizou esse passo da leitura analítica como “leitura para informação”[1],
constituída das seguintes perguntas:
a) Leitura para informação:
1. Classificação do texto: qual
assunto está sendo abordado? Descobrir o tema central do livro ou do texto, bem
como prestar a atenção na forma como o autor desenvolve o tema por meio da
organização de tópicos.
2. Resumir o texto o mais
brevemente possível com as suas próprias palavras: Entender qual é a mensagem
principal do autor.
3. Como o texto está dividido e o
que dizem as suas partes? Seria preciso acompanhar o raciocínio do autor passo
a passo no desenvolvimento da sua argumentação. Ao final, já é possível formar
um certo juízo sobre o que está sendo dito e de que forma está sendo dito.
4. Que tipo de problema o autor
procurou resolver? Avaliar se o texto acrescentou apenas informações ou trouxe
uma nova percepção que o leitor não havia compreendido antes.
A
segunda fase da leitura analítica
centra maior atenção na relação entre as proposições e os argumentos que um
autor pretenda sustentar, inserindo-se em um texto que geralmente extrapola o
ambiente escolar do ensino de História, muito mais adequado aos níveis elementar, inspecional e ao primeiro nível da leitura analítica. Adler intitulou o segundo nível de leitura analítica
como “leitura para iluminação”, cujas bases são:
b) Leitura para iluminação:
5. Quais as palavras o autor mais
utiliza no texto? Entender o significado das palavras da forma como o autor as
conceitua para não discordar do texto no que ele não se propõe.
6. Descobrir as frases do texto
que enunciam proposições. Podemos traduzir “proposições” como o conjunto de
afirmações feitas pelo autor para sustentar um argumento.[2] O
leitor pode marcar as frases mais importantes que ele julga conter proposições.
7. Encontrar os argumentos com os
quais o autor pretende sustentar suas proposições.
8. Determinar quais problemas o
autor conseguiu resolver e quais ele deixou em aberto para a reflexão.
O
quarto nível de leitura é o sintópico.
Aqui, o leitor fará uma abordagem crítica de comparação de um texto com outro
ou, no dizer acadêmico, recorrer a uma discussão bibliográfica. Em termos
universitários, o nível sintópico trata da abertura definitiva à conversação
entre autores que contribuíram para aperfeiçoamento de um determinado campo da
cultura. Nesse sentido, Adler recomenda que o leitor concorde com tudo o que
disse o autor, “suspendendo o julgamento” até finalizar a leitura com o
razoável domínio sobre o que foi dito. Quando o leitor não procura entender
realmente – com máxima honestidade intelectual – o que o autor diz, os preconceitos
e julgamentos afloram. Às vezes, muitas discussões improfícuas emergem da falta
de compreensão do que está sendo colocado em tela como problema. Adler também
lança algumas indicações para que o leitor – reflexivo e paciente – consiga
apontar como e quando um determinado autor incorreu em desinformação ou foi
ilógico. (ADLER, 2010, pp. 165-166)
Portanto,
o terceiro estágio da leitura analítica,
o qual na verdade é o primeiro nível de leitura sintópica, pode ser definido pelas regras de “etiqueta intelectual”
que conduzem à crítica de um determinado conteúdo:
9. Suspensão do julgamento,
acompanhando o delineamento da argumentação de autor até o final. É preciso
entender antes da atribuição de valores e preconceitos a esmo.
10. Não discordar de maneira
competitiva, ressaltando um equilíbrio entre pontos positivos e negativos
trabalhados.
11. Demonstrar reconhecimento da
diferença entre conhecimento (episteme)
e opinião (doxa), apresentando boas
razões para o julgamento crítico da seguinte forma:
12. Mostrar onde o autor está
desinformado.
13. Mostrar onde o autor está mal
informado.
14. Mostrar em que momento o
autor foi ilógico.
15. Mostrar onde a explicação ou
análise está incompleta.[3]
A
bem da verdade, as regras enunciadas pelo professor Mortimer Adler constituem o
núcleo de uma convivência civilizada no debate público e acadêmico, norteada
pela tolerância entre as pessoas e o respeito ao ambiente democrático da
pluralidade de visões tão característico de sociedades complexas.
[1] ADLER, Mortimer J. Como
Pensar sobre as Grandes Ideias. op
cit. pág. 228.
[2] A irmã Miriam Joseph, estimulada por Mortimer Adler, escreveu um
livro importante, dissecando o caráter técnico de constituição da linguagem
pelo prisma das disciplinas do Trivium
(gramática, retórica e lógica). Ver JOSEPH, Irmã Miriam. O Trivium. As artes liberais da Lógica, da Gramática e
da Retórica. São Paulo: É Realizações, 2014.
[3] Sobre a anunciação das regras de leitura expostas. Ver ADLER,
Mortimer J. & DOREN, Charles Van. Como
Ler Livros. op cit. págs. 41-174.
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