Industrialização versus cafeicultura na década de 1920


Largo São Bento e Viaduto Santa Ifigênia, São Paulo, entre as décadas de 1920 e 1930. Crédito: Prefeitura de São Paulo.

Um dos debates mais interessantes da historiografia brasileira presta homenagem às causas que levaram Getúlio Vargas ao poder em outubro de 1930, cuja “Revolução” pôs fim à Primeira República (1889-1930). As primeiras interpretações sobre o assunto observaram que a década de 1920 havia sido marcada por um embate entre a burguesia nacional industrial e os setores latifundiários ligados à cafeicultura na luta pela hegemonia política do Estado. Os grupos urbanos e industriais, representando a classe media, teriam conseguido implantar o seu projeto diante da deposição do presidente Washington Luís e a consequente “Revolução de 1930”. 

Em 1968, o historiador Boris Fausto contestou a fragilidade desta interpretação, mudando completamente a maneira de se pensar a Revolução de 1930. Para Fausto, não havia uma disputa entre setores industriais e setores latifundiários do café durante a Primeira República, mas sim uma estranha associação. Por quê?

A política de empréstimos lançada pelo presidente Campos Sales (1898-1902) contribuiu para valorizar a moeda brasileira. Cafeicultores logo se ressentiram com a valorização monetária, pois no início do século XX o mercado internacional de café padeceu por causa de forte retraída. Acuados, os cafeicultores obrigaram o Estado a celebrar o Convênio de Taubaté (1906).

Até 1924, o Estado comprava diretamente o café, retirando-o de circulação e, desta maneira, assegurando os preços. Depois de 1924 a atuação do governo ganhou uma dimensão indireta, pois foi criado o Instituto do Café, o qual passou a regular a exportação do produto em quantidades determinadas. Entre 1906 a 1930, o Convênio de Taubaté garantiu elevada rentabilidade ao setor cafeeiro. A União e os Estados não tinham como manter essa política de valorização, posto que se exigia uma grande quantidade de recursos para manutenção da compra periódica das sacas de café.

Nesse sentido, bancos estrangeiros situados no Brasil passaram a entrar no negócio, custeando a política cafeeira celebrada entre o Governo Federal e os Estados. Citemos o National City Bank de Nova Iorque e o Banco da França. Após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-18), os Lazard Brothers de Londres tornaram-se os principais financiadores do café.

Os fazendeiros paulistas se beneficiaram porque viram nos empréstimos estrangeiros um meio de fuga da baixa de preços do mercado cafeeiro internacional. Ocorre que o mecanismo assinalado submeteu os interesses das classes cafeicultoras à dependência do capital estrangeiro. Se num futuro distante desaparecessem os recursos estrangeiros para custeio do café, o negócio dos cafeicultores implodiria por completo. Curiosamente, foi justamente este o cenário instalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929.

Ao mesmo tempo, a indústria brasileira não teve forças para criar um projeto político que se opusesse à valorização cafeeira ao longo da década de 1920. Pelo contrário. A indústria nacional dependia da importação de matérias-primas para a confecção de mercadorias manufaturadas, como sapatos, roupas e produtos de limpeza, por exemplo. Toda vez que a moeda brasileira desvalorizava, o valor das matérias-primas compradas em outros países aumentava. Por outro lado, a subida no preço dos importados tornava o mercado interno muito mais atraente ao consumidor, já que os preços das mercadorias brasileiras ficavam mais baratos do que os importados.

Esse cenário de dependência da industrialização nacional frente às idas e vindas do mercado exportador de café fez com que os empresários da indústria lucrassem, mas sem força para acumular e investir no crescimento. Havia indústrias, mas não uma burguesia industrial coesa e capaz de propor um projeto industrial. O capital industrial se submetia aos fluxos do mercado agrícola do café e este, por sua vez, às contingências do capital estrangeiro.

Fonte:
FAUSTO, Boris in "Revolução de 1930" in  MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. Difel: Rio de Janeiro-São Paulo, 1978. pp. 227 - 255.

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