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Revolução de 1930 em Minas Gerais. Cidade de Lavras. |
No
período imediatamente anterior à Revolução de 1930, houve um processo de
divisão e enfrentamento dentro das próprias forças políticas mineiras. O apoio
à Aliança Liberal de Getúlio Vargas não estava consolidado como um fato patente
em meio às oligarquias políticas mineiras. Todo o cenário de crise tinha sido
principiado pela sucessão à presidência do estado, até então conduzida por
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Existiam em 1929 três pretendentes à chefia
estadual, todos egressos do Partido Republicano Mineiro (PRM): Artur Bernardes,
Venceslau Brás e Melo Viana (Viana era o então vice-presidente de Washington
Luís).
O
PRM dividir-se-ia em 1929 para não recuperar a unidade nunca mais. A partir da
divisão deixaria de existir uma correspondência entre a chefia do governo do
Estado com a liderança do PRM. Isso aconteceu porque Antônio Carlos não queria
entregar o cargo a qualquer um dos três pretendentes. Em reunião na executiva
do PRM no Palácio da Liberdade, Antônio Carlos propôs uma solução
conciliatória: o presidente do Senado assumiria a presidência do Estado,
enquanto o presidente da Câmara assumiria a vice-presidência de Minas. Assim,
chegariam à chefia do poder político mineiro, respectivamente, Olegário Maciel
e Pedro Marques.
O
vice-presidente Melo Viana não aceitou as condições de Antônio Carlos, aderindo
a uma divisão política liderada pelo diretor do Banco do Brasil, Manuel Tomás
de Carvalho Brito. Essa divisão ganharia o nome de “Concentração Conservadora”.
Houve uma repercussão importante nesse processo, posto que na sucessão de 1929
o vice-presidente apoiou a candidatura presidencial de Júlio Prestes. Olegário
Maciel e Antônio Andrada, evidentemente, abraçaram a candidatura da Aliança
Liberal capitaneada pelo gaúcho Getúlio Vargas. Formava-se em Minas, portanto,
uma oposição regional de fortalecimento às pretensões de Washington Luís. Ou
seja, uma parte considerável da elite mineira queria que Júlio Prestes se
sagrasse como campeão nas urnas presidenciais em 1º de março de 1930.
O
governo Washington Luís valeu-se de represálias para dificultar a vida de Minas
Gerais. Era preciso minar as forças da Aliança Liberal nas montanhas mineiras.
Confiscou a parte do imposto de exportação do café devida a Minas, a fim de que
o Estado não tivesse recursos para se organizar financeiramente qualquer ajuda
à Aliança Liberal. Apenas após a Revolução de 1930 esse dinheiro voltou às
alterosas por determinação do Governo Provisório Vargas.
A
Concentração Conservadora passou a atrapalhar os planos de Antônio Carlos, o qual
ficou numa posição de ambiguidade. O velho caudilho precisava apoiar a Aliança
Liberal para garantir a Vargas alguma segurança de que o gaúcho seria eleito no
Estado, mas também não poderia arrebentar a corda de Washington Luís a fim de
que Minas não fosse alijada do poder em caso de vitória de Júlio Prestes.
Vargas mostrou-se descontente com o rumo dos acontecimentos em Minas Gerais. O
Estado estava dividido. Não havia uma frente única de oposição ao governo
federal, colocando em dúvida as possibilidades de vitória eleitoral varguista
na região. A Concentração Conservadora queria viabilizar um meio de propiciar
uma intervenção federal em Minas Gerais. O reconhecimento de diplomas de
deputados comprometidos com a Aliança Liberal ficou bem mais difícil. Os juízes
eram comprometidos com o interesse do governo federal. A parte aliancista do
PRM perdeu a diplomação de 14 deputados em 1930, cujas vagas foram transferidas
à Concentração Conservadora.
Artur
Bernardes, Venceslau Brás e Antônio Carlos de Andrada, outrora adversários na
liderança política regional, tiveram que se unir em prol de um inimigo comum: a
Concentração Conservadora.
Diferentes
parcelas da oligarquia mineira convergiram em direção a uma plataforma
aliancista comum. Minas não poderia perder a posição de Estado importante na
federação. A ideia era fazer com que o Estado permanecesse sob a chefia do PRM
e, ao mesmo tempo, não se transformasse num pária dentro do tabuleiro político
nacional. A possibilidade de vitória de Júlio Prestes conduziria Minas Gerais à
condição de Estado alijado das esferas de poder, de modo que caberiam às
oligarquias mineiras que circulavam na órbita do PRM uma reação à situação
posta. As “razões de Minas” confundiram-se, momentaneamente, com as razões do
PRM.
O
interior de Minas Gerais é a prova de que a Concentração Conservadora gozava de
boa capilaridade na sociedade, sobretudo em meio às classes médias urbanas. O
jornal “O Tempo” (Queluz de Minas), por exemplo, exprimia em sua primeira
página de 11 de setembro de 1929: “A
‘Concentração Conservadora’ reúne em seu seio a intelectualidade brasileira.”
No periódico, relata-se que no dia 6 de setembro se organizara um comitê de
apoio a Júlio Prestes na cidade, considerado como um “legítimo expoente da geração nova, aquela que elevará o conceito do
Brasil, amparando a literatura, as artes e as ciências, revelando as
possibilidades infindáveis desta terra moça...”. O periódico também cita
com destaque que um deputado local, Basílio Magalhães, capitulou das fileiras
aliancistas para ingressar na Concentração Conservadora. O comitê de apoio a
Júlio Prestes na cidade contava com doze profissionais liberais: um
farmacêutico, três advogados, um engenheiro, seis cirurgiões-dentistas e um
médico.[1]
Uma
das críticas que se fazia aos comitês interioranos voltados para a Concentração
Conservadora é a de que estavam recheados de funcionários públicos federais. No
dia 19 de outubro de 1929, um articulista da “Gazeta do Norte” (Montes Claros)
logo se propôs a rebater tal argumento ao assinalar que a nata política e
econômica da cidade se voltava para a candidatura Júlio Prestes. Observa que o
tempo só fez aumentar a quantidade de pessoas dispostas a aderir à
Concentração, cujos membros “não defendem
‘gordas propinas’ nem empregos públicos”. A Aliança Liberal é representada
negativamente pelo articulista. Ademais, o periódico aponta o avanço dos
comitês municipais favoráveis à chapa Prestes-Vital em outras cidades do norte
de Minas, tais como Rio Pardo, Salinas, Teófilo Otoni, Pirapora, Corinto e
outras.[2]
A
Aliança Liberal convergia para a plataforma política do Movimento Tenentista, o
qual estava vinculado originalmente às classes médias. Heterogêneo
politicamente, será que o tenentismo realmente conseguiu organizar a classe
média? De acordo com o historiador Boris Fausto, a resposta é “não”:
“Na base da pequena vinculação com os meios
civis, está um dos traços essenciais da ideologia tenentista: os ‘tenentes’ se
identificam como responsáveis pela salvação nacional, guardiães da pureza das
instituições republicanas, em nome do povo inerme. Trata-se de um movimento
substitutivo e, não organizador do ‘povo’.”[3]
Isso
é especialmente curioso, pois a base de apoio da Concentração Conservadora em
Minas Gerais partia justamente das classes médias liberais que a Aliança
Liberal tenentista dizia representar. Não somente vultosas parcelas de
profissionais liberais mineiros se inclinavam à continuidade política do “café
com leite” como, estranhamente, os oligarcas cafeeiros mineiros surgiam como os
legítimos defensores provisórios da Aliança Liberal. Os pólos de apoio pareciam
invertidos na política mineira antes da Revolução de 1930. Classes médias
mineiras defendendo a política nacional cafeicultora de São Paulo e oligarquias
mineiras na proteção da Aliança Liberal reformadora.
Se
retrocedermos alguns anos em direção à cidade de São Paulo, o tenentismo
tentara uma sublevação de dezenove dias (9 a 27 de julho de 1924), mas sem necessariamente
animar os corações de classes populares ou médias. Havia certa simpatia popular
aos tenentes, mas sem um apoio explícito. No interior do Estado, os “batalhões
patrióticos” combateram os tenentes através do auxílio de profissionais
liberais, magistrados e funcionários públicos. A representatividade do
tenentismo diante das classes médias estava colocada na ordem do dia.
Diante
de um cenário hostil à Aliança Liberal em Minas, não foi difícil para Júlio
Prestes sobrepujar Vargas no pleito eleitoral de 1º de março de 1930. No curso
dos acontecimentos, o presidente de Minas, Olegário Maciel, precisava
viabilizar a reentrada do Estado no cenário político nacional, o que foi feito
através de um compromisso das oligarquias do PRM com o tenentismo. O desejo
pela tomada do poder galvanizava uma aliança entre tenentes e oligarcas
mineiros, mas os objetivos de chegada se mostravam não apenas contraditórios,
senão completamente excludentes. O tenentismo queria a diminuição dos poderes
das oligarquias regionais, enquanto os próceres do PRM pretendiam a
recomposição do prestígio perdido. Para os oligarcas mineiros, a vitória de
Júlio Prestes fizera com que São Paulo desse um salto à frente na liderança
nacional, fato diante do qual caberia à cúpula mineira algum tipo de movimento
para se ombrear novamente frente à unidade federativa bandeirante.
O
grande interlocutor da ala tenentista revolucionária em Minas Gerais era
Virgílio de Melo Franco, o qual prestava contas ao ex-presidente Artur
Bernardes no tocante aos compromissos logísticos que o tenentismo mineiro daria
em direção ao golpe de estado. Os secretários de governo também tiveram
participação ativa no golpismo. Da parte de Antônio Carlos, temos Cristiano
Machado; de Olegário Maciel acrescentam-se Francisco Campos, Odilon Braga,
Djalma Pinheiro Chagas e José Bernardino.
Dois
pontos de vista contrastantes se estabeleceram após a vitória da Revolução de
1930. Os oligarcas do PRM viram no braço armado do tenentismo uma via de
restabelecimento do pacto político com São Paulo. Por outro lado, os
tenentistas intentavam a diminuição dos poderes tradicionais mediante a
imposição de uma nova agenda reformista. O governo central varguista interveio
pesadamente sobre a estrutura do PRM a fim de desidratar as resistências da
oligarquia mineira, a qual resistiu até 1932, quando Artur Bernardes partiu em
exílio. A queda do PRM teve o seu desfecho com o surgimento do Partido
Progressista (PP) sob estímulo direto do Governo Provisório Vargas.
Em
1933, com a morte de Olegário Maciel, uma nova crise intestina revolveu as
entranhas da política mineira, mas dessa vez Getúlio Vargas lograria um êxito
fabuloso ao nomear Benedito Valadares como interventor estadual. Porém, essa já
é outra história.
Por
conclusão, temos uma hipótese de pesquisa que me parece promissora: no Estado
de Minas Gerais, imediatamente antes da Revolução de 1930, as classes médias resolveram
apoiar a candidatura de Júlio Prestes. Ou seja, pretendiam a manutenção do
poder oligárquico cafeeiro liderado por São Paulo. A Aliança Liberal varguista
não era compreendida pelos setores médios da população mineira como expoente
da modernidade. Voltarei a esse assunto em breve após analisar com mais calma a
documentação.
Bibliografia
FAUSTO,
Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
GOMES,
Ângela de Castro et al. (orgs.) Regionalismo e centralização política: partidos
e constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
[1]
Fonte: Jornal “O Tempo”, de Queluz de Minas.
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=847895&pesq=concentra%C3%A7%C3%A3o%20conservadora&pasta=ano%20192
[2]
Fonte: Jornal “Gazeta do Norte”, de Montes Claros:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=829773&pesq=concentra%C3%A7%C3%A3o%20conservadora&pasta=ano%20192
[3]
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. p. 81.
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