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Praça João Pinheiro, 1926 |
Nunca
me aventurei pelos meandros da história regional. Nos últimos tempos,
entretanto, tenho de me sentido tentado à conversação – ainda muito fragmentada
e dispersa em referências isoladas – da história do município de Muriaé. Até
pensei em condensar conhecimentos em uma inédita “História Didática de Muriaé”
com mais ou menos 60 páginas, mas os afazeres cotidianos me dispersaram de um
empreendimento que não saiu dos propósitos de um arcabouço inicial. O tempo foi
passando e, convenhamos, ainda não temos uma sinopse coerente que possa
articular os domínios administrativos, políticos e culturais que regem a
história do município desde o século XIX. A hora para o nascedouro deste
projeto não chegou, mas seria de bom alvitre organizar alguns fatos primordiais
que possam abranger a trajetória histórica deste município para que, talvez um
dia, possa me inclinar com mais calma à elaboração de um escrito sólido. Não se
trata de promessa compulsória, senão de leve expectativa.
Em
região assolada pela febre amarela, cujas menções principais ao “Vale do
Muriaé” dão conta de uma localização marcada pela presença de incômodos
mosquitos típicos das regiões chuvosas da Zona da Mata Mineira, os contatos dos
índios puris com colonizadores brancos tiveram os seus primeiros ensaios. Há tendência em esbravejar um certo “heroísmo” por parte dos desbravadores
que adentraram nestas paragens insólitas, mas a verdade é que tais aventureiros
só estavam à cata de remédios naturais e índios para escravizar.
Encontraram-nos ambos.
Em
1817, Constantino José Pinto – acompanhado de outros quarenta desbravadores –
subiu as margens do Rio Muriaé e estabeleceu um clarão no atual “Largo do
Rosário”, constituindo o que seria futuramente o marco zero da cidade de Muriaé.
O local foi batizado como “São Paulo do Manoel Burgo”. Dois anos depois, em
1819, o francês Guido Tomás Marlière ordenou a construção da Capela do Rosário.
Iniciou-se um período de extração de plantas medicinais, sobretudo a poaia, e
madeira de lei. A base econômica de fundação do município foi o extrativismo
vegetal, a exemplo do que ocorreu em vários municípios do Brasil.
O
caminho que atualmente corresponde à Avenida Juscelino Kubitschek, ligando o
Porto à Barra, passando pela Armação, constituiu a base do novo povoado. Em 7
de abril de 1841, temos a fundação administrativa do distrito de “São Paulo do
Muriahé”, pertencendo a São João Batista do Presídio (atual Visconde do Rio
Branco). Em 1855, quando o país ainda viva sob a tutela da monarquia de D.
Pedro II, o distrito emancipou-se de São João Batista do Presídio, ganhando a
condição de “vila”. Apenas dez anos depois, em 25 de novembro de 1865, São
Paulo do Muriahé elevou-se à condição de cidade pela Lei 1257. No dia 7 de setembro de 1923, consolidou-se o
nome definitivo do município: Muriaé.
Da
segunda metade do século XIX em diante, o extrativismo vegetal deixa de ter
preponderância como força econômica no município, sendo substituído pela
monocultura cafeicultora. A interiorização da metrópole na região de Muriaé
beneficiou-se com a extensão da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, cujos
trilhos passaram a ligar a cidade de São Paulo do Muriahé até a capital do
Império, o Rio de Janeiro, em 1866. O itinerário básico da elite política no
interior também se cumpriu no município: as famílias mais ricas na produção
cafeeira davam as cartas no jogo político, tecendo suas alianças, cabrestos e
compromissos diante do incipiente eleitorado local. Em fins do século XIX
também se observou grande chegada de imigrantes italianos à cidade.
A
Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, significou um
florescimento jornalístico curioso no município, o qual passou a contar com uma
série de semanários. “O Muriaé” (1890), “O Eixo Municipal” (1891), “O Condor”
(1898) e “O Radical” (1903). Em apenas treze anos, quatro semanários passaram a
circular na cidade, apresentando aos historiadores de hoje uma entrada
interessante para que se elucidem as condições que levaram à efervescência
cultural em Muriaé.
Entre
1905 a
1920, o governo da cidade ficou sob a tutela do Dr. Antônio da Silveira Brum,
deixando uma tradição política personalista chamada de “brunismo”. Somente em
1919, quando se formou a seção do Partido Republicano Mineiro (PRM) em Muriaé,
levantou-se um contraponto político real à administração brunista na cidade. Na
época, Silveira Brum acumulava tanto os cargos de prefeito municipal quanto de
deputado federal.
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Dr. Antônio da Silveira Brum |
O
fim da era brunista na administração municipal se coaduna com a formação do
PRM, abrindo caminho para que a década de 1920 fosse ventilada por novos ares.
Após apagada passagem do Coronel Antônio José Monteiro de Castro como
presidente da Câmara Municipal entre 1919 a 1921, o diretório municipal do PRM
conseguiu emplacar o nome de Coronel Izalino Romualdo da Silva para assumir o
cargo. Coronel Izalino governou entre 1921 a 1926 e, mais tarde, durante o ano de
1929. Durante o seu governo, as receitas municipais dispararam muito em função
da alta no preço do café no mercado internacional, as ruas receberam
paralelepípedos, houve aumento significativo no número de postes e também da
malha autoviária. Carros e caminhões tornaram-se mais comuns na paisagem
urbana.
Do
ponto de vista econômico, a monocultura do café ainda sustentava as contas do
município. Em 1921, Muriaé exportou 6.228 toneladas do produto, o que
correspondia em 103.800 sacas. Em 1922, a população era de 69.943 habitantes, contando
todos os distritos.
Na
administração municipal do quadriênio 1927/31, o Coronel Izalino entendeu que
deveria se afastar momentaneamente do cenário político. O caminho ficou aberto
para que o baiano Edmundo Rodrigues Germano, outro cafeicultor importante da
região na época, ascendesse à presidência da Câmara Municipal. Lembremos que
neste momento histórico, a figura de presidência da Câmara era o equivalente a
prefeito nos dias de hoje. O coronel Izalino, “enfraquecido que estava pelo cansaço, produzido pelos fatigantes
trabalhos despendidos com sua administração findante”, não poderia governar
por mais quatro anos.
Membro
do diretório do Partido Republicano Mineiro em Muriaé, Edmundo Germano enfrentou
uma tempestade de problemas que quase fez soçobrar a administração do município.
Em meio à enorme dependência que a cidade vivia da produção cafeicultora, a
quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, fez com que
milhares de sacas de café perdessem mercado nos Estados Unidos. A administração
municipal logo ficou sem recursos tributários, pois os cafeicultores ficaram
sem ter para quem vender o produto. Os comerciantes sentiram o peso e o
dinheiro praticamente deixou de circular na cidade, derrubando pesadamente a
arrecadação de tributos.
Até
então, Edmundo Germano realizava uma administração razoável na cidade. Em 1927,
por exemplo, Mário Monteiro de Castro realizou uma permuta com a Câmara e cedeu
o terreno destinado à construção do Hospital São Paulo. Germano também renovou
contratos de prestação de serviços com a Companhia Força e Luz Cataguases
Leopoldina, bem como com a Companhia Telefônica Brasileira.
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Hospital São Paulo, data indeterminada |
No
entanto, as dificuldades econômicas enfrentadas pela diminuição brutal do
mercado cafeeiro fez com que o município realizasse a temerária iniciativa de
contrair empréstimo de 60 contos de Réis com um agiota particular, já em 1928. Cercado
pelas pressões políticas advindas de um orçamento em colapso, Edmundo Germano
ausentou-se da presidência da Câmara por dez meses, a qual reivindicou o
retorno do velho Coronel Izalino Romualdo da Silva para apagar o incêndio
administrativo.
Mediante
austera contenção de gastos, o Coronel Izalino restabeleceu as contas
municipais, mas mesmo assim mantendo algumas obras de calçamento urbano e
melhoria de estradas para cidades vizinhas, como no exemplo da estrada que liga
Muriaé a Cataguases, principiada naquela ocasião.
O
fim da Primeira República no Brasil, em 1930, marcado pela ascensão de Getúlio
Vargas ao poder, também impactou a cidade de Muriaé. Em 10 de outubro de 1930, quase
todos os vereadores foram destituídos de seus cargos, de modo que o comandante,
Cel. Otto Feio da Silveira, resolveu nomear como Interventor Militar Revolucionário
o Capitão Adherbal Moreira Ramos. A representatividade legislativa desapareceu
com o impacto da “Revolução de 1930”
na cidade. Armas e munições foram apreendidas para evitar que grupos contrários
à intervenção se levantassem nos limites do município. O Capitão Adherbal
escolheu o administrador Miguel Augusto de Castro para que fizesse rápida passagem
pelo governo da cidade, sendo que o Governador de Minas Gerais, Olegário Maciel,
já sugerira aos municípios que os comandos revolucionários passassem o governo às
mãos de vereadores não destituídos de suas funções por causa do alinhamento político
que tinham com os princípios do golpe de estado varguista.
No
caso de Muriaé, apenas dois vereadores eram compatíveis com este princípio: os
Coronéis Telêmaco Pompei e Francisco Alves de Assis Pereira. Em 22 de outubro
de 1930, a
interventoria militar laureou Francisco Alves como primeiro presidente da Câmara
Municipal de Muriaé após o golpe de estado que pôs fim à República Velha.
Fontes
Site
Prefeitura de Muriaé – https://muriae.mg.gov.br/
Site
Guia de Muriaé – Fotos antigas para este artigo -
https://www.guiamuriae.com.br/historia-da-cidade/historia/fotos-antigas-de-muriae/amp/
Manoel,
Joel Peixoto. Tópicos da História de
Muriaé. Volume 1. Muriaé: Edição do Autor, 2013.
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