O
filósofo e educador norte-americano, Mortimer J. Adler (1902-2001) não pode ser
interpretado apenas como unificador de toda uma proposta pedagógica centrada no
recobro da leitura e interpretação dos grandes clássicos, mas sim como um
profissional que não perdeu de vista o quanto a educação contribui para a
formação humana. Fortemente influenciado pelo educador John Dewey (1859-1952),
muito do esforço de Adler se insere dentro da ótica do clássico “Educação e
Democracia”, de 1916, de Dewey. Em síntese, nenhum processo de aprendizagem
pode ocorrer sem que os estudantes se envolvam na construção de significado
sobre o que está sendo feito.
Já em 1916,
Dewey percebeu que as escolas haviam se tornado repositórios frios e normativos
para a transmissão de conteúdos, mas sem nunca se perguntarem sobre o interesse
dos discentes em torno do que se aprendia. Em sua obra-prima, Dewey reconhece a
Filosofia como disciplina educadora por excelência, harmoniza a polaridade
entre educação para o lazer e para o trabalho, além de discutir as teorias do
conhecimento em circulação no seu tempo, iluminando brilhantemente vários
conceitos. De verve pragmatista, o autor reafirma a importância de uma educação
moral que possa transformar o aprendizado em um meio para a construção do
caráter pessoal, permitindo a um profissional a resolução de problemas práticos
mesmo diante de dificuldades imprevistas. Basicamente, o que John Dewey propõe
é um ensaio de filosofia da educação que torne compatível a formação
educacional com os valores de uma sociedade democrática e plural.[1]
Para além da
dimensão profissional que almeja a colocação do educando em um mercado de
trabalho cada vez mais voraz e competitivo, faz-se necessário situar o
estudante em meio à pletora de opiniões divergentes que o circunda, de modo que
se possa discernir o presente como síntese de um lento e gradual processo de
conhecimento acumulado durante milênios. Se participássemos da “grande
conversação[2]”
histórica, filosófica ou mesmo teológica formada através dos séculos, sem
dúvida teríamos uma base mais racional para decidirmos quais os melhores
caminhos a seguir nessa grande estrada chamada vida, tanto no tocante às
decisões pessoais da rotina comezinha quanto nas opiniões em torno do debate
público existentes no seio da comunidade política.
Nascido
em Manhattan, Nova Iorque, em 1902, Mortimer Jerome Adler nutria o sonho de
tornar-se jornalista. Filho de judeus que atuavam no ramo joalheiro, aos quinze
anos deixou a escola para trabalhar como contínuo no The New York Sun. Rapidamente destacou-se e passou a escrever
trabalhos de redação, incluindo editoriais. Chegou a cursar a graduação na
Universidade de Columbia, entendendo que a formação universitária traria ganhos
à sua capacidade de escrita. Não retirou o diploma de bacharel por dever créditos
às disciplinas de educação física. Mesmo assim, fez mestrado e, em 1928,
concluiu o doutorado em psicologia experimental.
Contratado
como professor de filosofia na Universidade de Chicago em 1929, com apenas 27
anos, pelo reitor Robert Maynard Hutchins, também um jovem acadêmico que se
tornara diretor da faculdade de Direito da mesma instituição. Adler e Hutchins
nutririam uma amizade que duraria toda a vida, mesmo porque ambos eram
considerados líderes norte-americanos na área de “educação liberal” baseada na
leitura e interpretação dos grandes
livros legados pela “Civilização Ocidental” em várias áreas de
conhecimento. Do ponto de vista institucional, Adler e Hutchins deram início à
Fundação “Grandes Livros” e ao Programa Básico de Educação Liberal para
Adultos.
Tudo
isso ainda era o prelúdio do que haveria de vir. Professores da Universidade de
Chicago que discordavam das práticas pedagógicas de Adler forçaram o jovem
reitor a retirá-lo do Departamento de Filosofia em 1931, de modo tal que –
menos ocupado pelo tédio das funções administrativas – Mortimer Adler
manteve-se como professor-associado da Faculdade de Direito, a mesma em que
Hutchins havia sido diretor. Mesmo assim, os críticos de Adler não cessaram as
críticas, acusando os dois jovens professores universitários de “medievalismo
arcaico”, afinal, a Escola de Chicago começava a se estabelecer no panorama
acadêmico norte-americano como templo do pragmatismo utilitarista. Logo, não
haveria espaço para discussão de propostas de ensino que se pautassem pelo
humanismo ou dessem ênfase à formação humana.
Apesar
de derrotados em Chicago, Adler e Hutchins conseguiram implantar a pedagogia de
“educação liberal” em St.
John’s College (Annapolis, Maryland), além de outros
institutos católicos. Não obstante o sucesso parcial da pedagogia dos grandes livros em universidades cristãs,
a crescente implantação da leitura de autores não-católicos fez com que as
mesmas instituições guardassem certa ressalva em relação ao trabalho de
Mortimer Adler.
Em
1940, Adler publicou o seu livro mais representativo, Como Ler Livros, tornado logo um best-seller internacional com dezenas de edições até a escrita da
versão definitiva em parceria com Charles Van Doren, em 1972. Nesse trabalho, o
filósofo Mortimer Adler expôs um método sistemático de leitura para compreensão
de textos expositivos para as áreas de História, Filosofia e Ciências. Embora
emprestasse alguma ênfase às técnicas de leitura de gêneros literários
ficcionais ou poéticos, o objetivo principal do autor era o de elevar o nível
de compreensão textual das obras fundadoras do conhecimento. Adler entendia que
o sistema educacional norte-americano, já no final da década de 1930, não
conseguia atender as expectativas de formação de um leitor crítico. Escolas e
universidades se baseavam muito mais na difusão de informações do que no
aprofundamento das competências de escrita, leitura e expressão oral. Como Ler Livros, nesse sentido, deveria
preencher uma lacuna na formação das competências leitoras do público médio norte-americano,
a fim de capacitá-lo para participar da “grande conversação” que unificava a
alta cultura ocidental, desde Platão e Aristóteles até a chegada dos escritores
contemporâneos.
O
movimento cultural dos “grandes livros” logo ganhou milhares de leitores nos
Estados Unidos. Composto por escolares, universitários e mesmo uma população
média que entendia essa perspectiva como uma espécie de formação compensatória
para os anos a fio de escolaridade precária, o educador Mortimer Adler passou a
organizar palestras por todo o país. Em 1948, Adler e Hutchins organizaram um
encontro para apresentação e discussão do julgamento de Sócrates no Chicago’s
Orchestra Hall, reunindo um total de três mil pessoas. Outras mil e quinhentas
ficaram do lado de fora. A década de 1940 também foi importante para a
biografia intelectual de Adler por que a Universidade de Chicago assumiu a
responsabilidade de produzir conteúdo para a Enciclopédia Britânica. Como as edições dos grandes clássicos da
cultura não eram muito comuns, a editora encomendou 54 volumes a partir da
lista apresentada por Adler, o qual editou e publicou todo o material.
O
trabalho realizado para a Enciclopédia
Britânica motivou Adler a empreender um esforço gigantesco para resumir em
um índice toda a discussão filosófica de raiz ocidental em uma sinopse que se
pretendia definitiva. Nascia assim o projeto Syntopicon com um escopo ambicioso: resumir todas as “grandes
ideias” do conhecimento filosófico e literário em um índex de referências em
grandes livros. Com uma equipe que chegou a quase 100 profissionais – entre
escritores, redatores e assistentes administrativos – a coleção já havia
vendido mais de 49 mil unidades até o início da década de 1960. Apesar disso,
os gastos de investimento no projeto também haviam sido altamente expressivos,
sobretudo para o meio do século XX, com quase 2,5 milhões de dólares. Esse
projeto levou Adler a fundar o Instituto de Pesquisa Filosófica em 1952,
situado na cidade de São Francisco (Califórnia).
As
décadas de 1960 e 1970 seriam marcadas por intensa atividade intelectual.
Somente em 1982, Mortimer Adler promoveu nova incursão política no sistema
educacional norte-americano. Fundou um grupo de pesquisas conhecido como
movimento Paideia, pleiteando a
extinção de uma grade escolar com disciplinas optativas no Ensino Médio e um
currículo escolar unificado.[3]
Somente nos
últimos anos de vida foi que Adler intensificou o estudo sobre temas
teológicos, embora essa área de saber nunca tivesse deixado de ser uma de suas
predileções. Essa fase da vida foi também marcada pela conversão definitiva ao
Catolicismo, ocorrida em 1984. Adler casou-se duas vezes e teve quatro filhos.[4]
[1] Existe uma coletânea de “Democracia e Educação”
no mercado editorial brasileiro, organizada e comentada pelo professor da USP,
Marcus Vinícius da Cunha. Os comentários do professor
são, digamos, irregulares. Às vezes, esclarecem de maneira vívida o trecho
demarcado; por outras, pecam pelo excesso de politização forçada. Infelizmente,
o volume contém apenas seis capítulos integrais do texto original. DEWEY, John.
Democracia e Educação: capítulos essenciais. São Paulo: Editora Ática, 2007. 136 p.
[2] HUTCHINS, Robert M. The Great Conversation. <https://www.thegreatideas.org/libeducation.html>
[3] As diretrizes de Adler para a educação norte-americanas foram
esboçadas em ADLER, Mortimer J. The
Paideia Proposal: an educational
manifesto. Simon & Schuster, 1998
https://www.amazon.com.br/Paideia-Proposal-English-Mortimer-Adler-ebook/dp/B003DYGNRO/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1478082208&sr=8-1&keywords=the+paideia+proposal. Curiosamente, em meio às propostas de reforma
no Ensino Médio ventiladas no Brasil, a escolha de matérias optativas que
preparem o aluno para a vida universitária não encontrava respaldo na reflexão
de Adler.
[4] Informações biográficas foram basicamente extraídas do livro ADLER,
Mortimer J. Como Pensar sobre as Grandes
Ideias. A partir dos grandes livros
da Civilização Ocidental. São Paulo: É Realizações, 2013. págs. 15-19.
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