CORONAVÍRUS: um texto para tempos aborrecidos

O presidente messias esmurra o ar em busca de inimigos imaginários entre os ministros, sem perceber que as pessoas agonizam de medo frente à ameaça da doença. Medo da morte. Medo de uma morte sem velórios e despedidas. Medo de serem arrolados nas estatísticas da calamidade para que homens ambiciosos disputem-nos em uma briga sem fim por cargos, privilégios e ostentações. Os hospitais de campanha ganham os estádios de futebol outrora destinados à alegria do esporte. O cheiro do suor da partida se deixa substituir pelo cheiro da doença que empesteia as narinas de médicos tomados pelo pavor de mais uma escala de serviço. Em casa, as pessoas se deprimem pela exploração na tevê de uma tragédia que se anuncia pelo ar. Muitos dos que gozam de reservas aproveitam o momento para espalhar um pouco mais de pânico nas redes sociais, enquanto os obreiros que se alimentam do suor do dia entram no desespero de ver os filhos sem mais um pedaço de pão.

No palco dos egos envaidecidos, propagandeiam ações com estardalhaço. Pensam em ganhar mais votos daqui uns dois anos. Outros sonham em não perder os mesmos votos. Já as pessoas comuns, maltratadas como de costume, se tornam meros joguetes nas mãos de inescrupulosos que veem a vida como um instrumento para se dar bem. Cada um se protege ao seu modo do inimigo microscópico.

Enquanto isso, um Papa reza sozinho para que a humanidade se salve de mais uma calamidade.

Máscaras, roupas na entrada, mãos lavadas e banhos intermináveis. Ninguém sabe muito bem o que se deve fazer neste jogo de derrotados em que a vitória se conta apenas quando o mal se encontra à distância. Na casa dos outros.

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